Meu caos, meu cais!: janeiro 2011

Não, ele não era capaz de se entregar, e não se entregar é não viver.
Se entregar é ultrapassar barreiras, romper limites, atravessar pelo meio o preconceito, e isso, ah isso ele nunca foi capaz, até mesmo quando sentado na calçada com uma garrafa de vodka e um maço de cigarros do lado, ele fumava, tragava, e colocava pra fora alem de fumaça, todos os seus medos, mas nunca admitia que ninguém ouvisse, quem quisesse podia respirá-los, tentar decifrá-los, mas todas as tentativas sempre ficaram frustradas.
Ele conseguia acumular mais medos sem que ninguém percebesse, ele ali sentado, não era capaz de tocar o seu corpo e dizer que o calor da sua pele era confortante, e que alguém poderia querer esse conforto.(e como é mesmo que se faz para se entregar a alguém, antes mesmo de se entregar a si mesmo? Eu nunca tive essa resposta). Ele recusou qualquer tentativa, refugou qualquer olhar, ele gostava do seu mundo o seu mundinho particularmente sonso, um mundo de quem acha sutilmente doce apodrecer.
Quando chegavam as 4 ou 5 horas da manhã ele sempre se levantava friamente, abria os olhos lentamente calçava seu all star velho e com um olhar míope e frio, inclinava levemente a cabeça para os dois lados, e então abandonava tudo, abandonava sim, porque ele não gostava de se despedir, ele tinha o silencio ao partir, e caminhava com os olhos baixos para aquele poço onde ele adorava ficar, parava, silenciava por dois minutos - quase sempre não durava dois minutos completos- e então olhava para trás, e sorria, me soava até irônico eu o entendia como "ah, que bela companhia eu sou". ele costumava ser atordoantemente misterioso com quem desejasse tirá-lo da sua fuga interna. era moralmente agressivo com qualquer tentativa de ajuda de se salvar da sua corrosiva existência. e assim, fugindo das suas intrigantes dores ele seguia, por uma noite qualquer, tomava sua garrafa de vodka barata, e fumava o seu cigarro, costumeiramente L.A. de cereja, e tragava, soltava silenciosamente seus medos acumulados de toda uma vida de "não entregas", cheia de preconceitos internos.

limites

bifurcação

cigarro vodka e outras coisas

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